O bárbaro crime contra a humanidade que ceifou a vida de 800 mil
pessoas em 3 meses, configura-se, até hoje, como uma das maiores tragédias da
história humana.
Amanhece em Kigali, capital da
Ruanda. Abu, jovem de 35 anos, acorda assustado, olha pro lado e cochicha com a
esposa:
- Relima, tem gente dentro da casa.
Os dois levantam rapidamente e,
com as roupas do corpo, tentam escapar pelo quintal, mas são agarrados por uma
turba de 20 homens. Os algozes armados de facões obrigam Abu, que é Hutu, a dar
estocadas na própria esposa, uma Tutsi de 30 anos de idade. O relato acima foi
retirado de um dos milhares de relatos de vítimas dos acontecimentos que
acometeram o país africano durante os 90 dias de guerra civil, em 1994.
O Genocídio em Ruanda é
considerado um dos eventos mais assustadores e emblemáticos da história da
humanidade. Ocorrido durante 3 meses, foi responsável pela morte de 800 mil
pessoas. A história do conflito tem início com a colonização do país pela
Alemanha e, posteriormente, pela Bélgica. O território ruandense era formado
por duas etnias, os Tutsis e os Hutus. Enquanto a primeira representava 15% da
população, a segunda, era composta de 85% do povo ruandense. Mesmo em maior
número, poucos hutus participavam da elite econômica e política do país. A
política e riqueza ficaram, historicamente, a cargo da etnia Tutsi, gerando uma
forte competição e antagonismo entre os grupos. A Bélgica, principal colonizadora
do país, aproveitou essa disputa e manteve os tutsis à frente do governo. No
momento em que Ruanda finalmente conseguiu sua independência do país europeu,
eleições gerais levaram líderes Hutus à presidência.
Com o vácuo de poder deixado
pelos belgas, grupos políticos radicais, que pregavam o fim da etnia tutsi,
também aumentaram seu poderio. As rivalidades entre Tutsis e Hutus se acirraram
novamente quando o presidente Juvénal Habyarimana, munido pela influência de
Nelson Mandela, o qual defendia a moderação e a conciliação étnica, iniciou
diálogo com grupos políticos Tutsis, visando estabelecer a paz no país. Em
1994, com o aumento das tensões entre as duas etnias, o avião em que viajava
Juvénal Habyarimana, foi derrubado. Ruanda entrou em uma profunda crise de
interesses, líderes políticos hutus acusaram os Tutsis de terem assassinado o
presidente. Sem a possibilidade de diálogo, grupos ligados às duas etnias
declararam guerra civil. Começava aí, um dos eventos mais tristes da história
da humanidade.
As consequências desse conflito
foram catastróficas. Em 90 dias, quase 80% da população tutsi foi morta ou saiu
do país. Casais inter-étnicos eram obrigados a assassinarem os cônjuges, até
freiras e padres eram obrigados a matar tutsis. As rádios e meios de
comunicação foram tomados e usados para incentivar o ódio da população hutu.
Como o país não possuía condições financeiras para armar a população com armas
de fogo, os grupos organizados distribuíam facões aos civis. Ocorreram tantas
mortes que os carros trafegavam em estradas forradas de corpos. Ao longo de
três meses, bairros e cidades inteiras foram reduzidas a pó, um mar de sangue
tomou conta do país. A ONU foi muito criticada na época, pois não interviu
significativamente no conflito.
Enquanto ocorria o Genocídio, a
FIFA organizava a Copa do Mundo de Futebol nos EUA, por esse motivo, os
acontecimentos em Ruanda tiveram espaço de poucos segundos nas programações dos
meios de comunicação do mundo todo. Sem a comoção mundial necessária, Ruanda foi
abandonada à própria sorte, e até hoje colhe os frutos amargos provenientes
dessa terrível catástrofe.
Imagem 1: Corpos enterrados em valas comuns. |
Imagem 2: Ruandenses deixam o país e buscam asilo no Congo. |
Imagem 3: Crânios recolhidos em várias tribos ao redor da capital Kigali. Notem as perfurações. |
Imagem 4: Um homem recolhe corpos de Tutsis massacrados. |
Imagem 5: Menino mostra aos soldados da ONU uma aldeia completamente dizimada. |
Imagem 6: Uma criança chora copiosamente ao observar o pai morto. |
Por Joel Paviotti
Hatzfeld, Jean.Uma Temporada de Facões - Relatos do Genocídio em Ruanda – 2005. Companhia das Letras – São Paulo.
FRUCTUSO. Ligia Maria Lario. Ruanda Memórias de um Genocidio.
POWER, Samantha. Genocídio: A Retórica americana em questão; tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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